terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Corrupção e os Portugueses - um livro a ler para compreender a corrupção em Portugal

Trago aqui um resumo de uma das principais obras nacionais disponíveis ao grande público sobre o tema da corrupção. Trata-se do livro “A corrupção e os Portugueses – práticas – atitudes – valores”, da autoria e coordenação de Luís de Sousa e João Triães e que conta com a colaboração de outros investigadores, é a concretização em livro, de modo a chegar a grande público, do estudo “Corrupção e ética em Democracia: O Caso de Portugal”. Esta foi a principal fonte teórica que serviu para concluir que existe uma relação entre as práticas de corrupção em Portugal e ética pessoal e colectiva dos portugueses - fenómenos individuais e sociais. Os autores conseguem definir isso numa frase bem reveladora: "os portugueses fazem mais do que a lei permite e menos do que a ética exige". Assim, pareceu natural que se propusessem, na Petição Combate à corrupção através da consciencialização, informação, formação e educação, modos e meios de reforçar a consciencialização e informação de modo a elevar a dita ética - ou falta dela.

Concepção minimalista da corrupção
Aqui é analisada principalmente a dimensão ética do fenómeno. Os autores referem que, aqueles comportamentos que claramente violam a lei ou que estão relacionados com actos políticos são mais condenados pelo cidadão comum, independentemente de serem considerados na lei ou de terem uma interpretação duvidosa. Refere-se também que é comum os portugueses exigirem mais aos “outros” do que a si próprios, mesmo que inconscientemente.

Os Portugueses fazem mais do que a Lei o permite e menos do que a ética o exige” (repetição propositada)

Mistura de Géneros
Este foi um dos principais pontos que levaram à criação da petição. Os autores afirmam que em Portugal não se definem com exactidão os limites entre as esferas públicas e privadas, ou que isso pelo menos não está bem disseminado pela nossa sociedade. Aliás, vão mais longe, defendem que os baixos níveis de formação, e uma deficiente compreensão dos fenómenos de corrupção, expõem e fazem os portugueses enveredar por práticas de clientelismo.

País de cunhas

O fenómeno cultural e social da corrupção manifesta-se aqui neste ponto. Defendem os autores que a maioria da corrupção que se pratica em Portugal é mais ao nível dos favores do que de dinheiros ou bens propriamente ditos – a dita cunha. Trata-se de um desvirtuamento das sãs trocas e sinergias sociais que deveriam promover a igualdade de oportunidades.
Aqui a cunha e a corrupção são apresentadas, para alguns elementos da sociedade portuguesa, como um modo de ultrapassar as dificuldades da burocracia da administração pública, como “um lubrificante que oleia a engrenagem do sistema” – uma actividade perniciosa que tanto prejudica o bem comum.
Algo muito caricato, e que os autores reforçam, ainda neste ponto é que este tipo de clientelismo é socialmente aceite de ser praticado pelo “cidadão comum” mas não pelo “cidadão político”, especialmente se for praticado em prol de familiares ou amigos dos agentes e actores que concretizam a corrupção – novamente a dimensão ética em causa.

O gosto pela repressão e a incapacidade de denúncia
A referência aos 48 anos de ditadura surge nesta parte, ela é referida como uma das explicações para a concepção rudimentar que os portugueses têm da corrupção, nomeadamente com o modo como os cidadãos não usam do direito de denúncia e não exercem vigilância nem condenam socialmente quem pratica a corrupção. Emprega-se aqui o termo “pacto oculto” para o fenómeno social da corrupção. “Apesar da maioria dos portugueses afirmar que denunciaria às autoridades um caso de corrupção do qual tivessem conhecimento, na realidade recolhem-se ao silêncio e à indiferença”.
A literacia e a cidadania activa, ou falta dela, são apresentadas como outras condicionantes. Os autores afirmam que “a democracia portuguesa goza de uma cidadania informada (ainda que com grandes deficiências na qualidade, sobretudo no acesso à informação), mas politicamente pouco formada” - esta referência à uma falta de formação cívica foi uma das considerações tidas na petição – que tem imensos e inquantificáveis impactos sociais e económicos no Portugal contemporâneo.

Sensacionalismo dos Media e a sede de voyeurismo dos cidadãos

Em Portugal, para os autores, não se consegue conjugar a função informativa dos Media com o devido respeito pela vida privada, especialmente a dos políticos. Isso transparece novamente numa deficiente cidadania e incapacidade de compreender e participar na política – por vezes é mais discutida a personalidade dos políticos do que as politicas que praticam. Transparece a ideia de que os portugueses têm uma visão mitológica/púdica dos seus políticos, que tendem a averiguar se os seus políticos serão pessoas como eles próprios e, invariavelmente, exigem-lhe atitudes e comportamentos éticos que os próprios não praticam. Isto é explicado também pela artificialidade com que os políticos são apresentados aos portugueses, frutos de operações de cosmética e técnicas de marketing que os tornam desumanizados.

Fica a minha sugestão: se queremos compreender a corrupção em Portugal, devemos todos reflectir e estudar o máximo que pudermos o fenómeno de um ponto de vista pluridisciplinar, mas acima de tudo enveredar por uma introspecção pessoal sobre o nosso papel nas práticas e no combate à corrupção.

(este texto foi parcialmente retirado e inspirado do original em: http://abuscapelasabedoria.blogspot.com/2010/12/corrupcao-e-os-portugueses-o-livro-que.html)

1 comentário:

  1. É tentador ver a corrupção em termos de um imperativo moral, mas há geralmente mais do que apenas isso. Prevalece em todas as secções da sociedade e em todos os níveis.
    Sabemos que a prática da corrupção é desonesta, e o que se verifica em Portugal, é a prática de favoritismos que começa por aí, e vai-se ramificando e se torna difícil o controlo. Não falando somente na corrupção política. Temos em todos os outros sectores, económico, social e moral.
    Quando me dizem: "Não há nada a fazer, ou já entrei nessa luta e páro, porque não acredito na sociedade política". ISTO É MUITO NEGATIVO!
    Se não fizermos nada, ora estamos bem com o que vemos, ou com o que temos. E o que fica, para os homens/mulheres do amanhã? É terrível saber que muitas pessoas não queiram se manifestar, pelo menos que o façam para os seus descendentes, para uma vida mais justa.
    Somos uma sociedade de comodismo, de desinteresse, mas existe onde ponto da vida, que é aquela que nos chama à razão. A consciência e a responsabilidade.
    Estas palavras vêm a próposito do livro "A Corrupção e os Portugueses - práticas - atitudes - valores", que suponho estar esgotado, que não fique só pela leitura de muitos portugueses.
    Quanto às atitudes, como abuso de poder, as "cunhas", desejo obsessivo de adquirir mais riqueza, gerando desigualdades sociais, tudo isso prevalece ainda no espírito de quem as pratica. Há que mudar, há que fazer frente sem escrúpulos, porque parece que por este meio se faça algo.
    Verifica-se uma vontade de resolver este dilema, este "cancro", mas não é somente pelos debates televisivos, pela comunicação social, mas sim, formando elos de seres humanos, cidadãos no terreno. "Lutando", com dignidade e acreditando sempre que conseguimos derrubar a corrupção.
    Quero acreditar que vamos conseguir.

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